Na minha infância, era comum um casal ter vários filhos. Além disso, era usual que as pessoas morassem perto dos seus pais e de outros irmãos e primos casados, e isto proporcionava que as crianças convivessem mais com seus primos, que eram os pares ideais para brincadeiras após a escola.
É claro que este arranjo trazia alguns inconvenientes, como uma família se intrometer na dinâmica da outra, pois afinal sempre há os que gostam de fofocar ou de governar a vida alheia. Contudo, facilitava muito a vida das mães que trabalhavam fora e tinham com quem deixar seis filhos depois que voltassem da escola, e era mais simples conhecer de perto os colegas mais próximos dos filhos.
Outro fator interessante era o fato de que os pertences eram partilhados. Era comum uma mesma roupa ser usada pelos irmãos ou primos mais novos, e até mesmo os livros ou enciclopédias estudantis, ou os de consulta escolar, serem partilhados por outros que estavam em séries escolares anteriores. Aprendíamos assim a preservar mais o que tínhamos, porque sabíamos que outros utilizariam o que estávamos usando, construindo um sentimento mais amplo de troca e ajuda mútua. E mesmo quando os mais velhos começavam a trabalhar, grande parte do salário (quando não todo ele) era utilizado para ajudar nas contas da casa em que viviam.
Partilhar roupas, tarefas domésticas, livros escolares, quartos, brinquedos e guarda-roupas nos ajudava a entender a sociedade de forma menos egoísta. Sabíamos aonde morávamos, quais eram nossos limites em casa, mas não havia muito a exclusividade dos bens. Lidávamos melhor com as perdas, aprendendo a sermos menos presunçosos ou pedantes. Sabíamos manter nossa individualidade sem sermos individualistas ou egocentrados.
Com o passar dos anos, a estrutura social foi se modificando. Quando olhamos a qualidade emocional da sociedade que vivemos nos dias atuais, nos assusta o crescente egoísmo, em como a maioria das pessoas se ocupa só de seus interesses, e só consegue pensar em si mesmo, em seus desejos e necessidades. As crianças têm dificuldade de partilhar seus brinquedos, e cada uma possui seu próprio celular, computador, e até geladeira em seus quartos. São ensinadas a decidir o que querem vestir, e lidam com seus pertences de forma exclusivista e desleixada, destruindo bens que seus pais compram com dificuldade.
O problema se evidencia, muitas vezes, no momento do casamento, quando pessoas criadas de forma individualista vão ter que compartilhar quartos, guarda-roupas, geladeira, armários e finanças, muitos têm dificuldade na conjugação de esforços pelo bem do casamento. Até porque, no casamento o meu se torna nosso, e precisamos abrir mão da egolatria para aprendermos a nos dedicar a fazer o outro feliz.
É inviável a construção de uma relação conjugal quando os casais escondem do cônjuge quanto ganham ou como investem seu dinheiro. Não há conjugalidade quando o casal segue com suas vidas paralelas, cada um com seus amigos, com seus hobbies, com suas manias, sem partilhar sonhos, projetos, medos e metas de vida. Não há unidade quando um dos cônjuges teima em viver isolado, quieto no seu canto, evitando toques ou diálogos, não expondo seus medos ou partilhando seus anseios.
Quem é solteiro precisa aprender a se preparar melhor para a vida de casado. Nossas igrejas podem ajudar nisto, organizando classe e cursos para noivos. Mas é sobretudo em nossas casas que nossos filhos precisam aprender que casamento é troca, entrega, partilha, esvaziamento, divisão, consenso, acordo. Não há singularidade: o tempo é dos dois, o dinheiro é dos dois, os filhos são do casal, as tarefas da casa e os problemas domésticos são resolvidos a dois.
Casamento não é feito para pessoas egoístas, que priorizam a si mesmas em detrimento do outro. Casamento é para aqueles que aprendem a dialogar, trocar e abrir mão de seus interesses pelo interesse do outro, cientes de que é exatamente na troca afetiva e na cumplicidade que reside o genuíno sentido de sermos dois em um: uma só carne, um só coração.
Elaine Cruz
*A CPAD não se responsabiliza pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos publicados nesta seção, por serem de inteira responsabilidade de sua(s) autora(s).